Vivemos um momento de grande transformação na relação entre o fisco e os contribuintes. O que antes era uma fiscalização pontual, esporádica e com foco reativo, hoje está se tornando um processo contínuo, automático e preventivo. Um exemplo muito claro disso é o Decreto nº 58.730, publicado em 4 de junho de 2025 pelo Estado de Pernambuco, que instituiu oficialmente o seu sistema de gestão da malha fiscal. Isso significa que o Estado passa a monitorar os dados fiscais das empresas de forma permanente e em tempo real, usando tecnologia para cruzar informações eletrônicas de forma automatizada.
Esse não é um movimento isolado. Diversos estados brasileiros estão seguindo o mesmo caminho, e a tendência é que esse tipo de controle se torne cada vez mais presente, especialmente com a implementação da reforma tributária. O novo sistema de apuração assistida que está por vir vai ampliar ainda mais o nível de controle do governo sobre os débitos e créditos das empresas. Com ele, será necessário validar não apenas os documentos fiscais, mas também os pagamentos realizados, já que os créditos tributários só poderão ser apurados com base em critérios financeiros.
Nesse cenário, entregar as obrigações acessórias e “corrigir depois” é uma prática que tende a se tornar insustentável. A fiscalização já opera com um olhar voltado para a antecipação de erros. Antes mesmo que o contribuinte perceba uma falha, o fisco já terá identificado a inconsistência. E isso tem consequências: autuações, necessidade de defesa, pagamento de multas e, muitas vezes, prejuízos à reputação da empresa.
Por isso, adotar uma postura preventiva deixou de ser um diferencial e passou a ser uma exigência. A revisão eletrônica dos dados, especialmente antes do envio do SPED e de outras obrigações acessórias, é hoje uma ferramenta essencial para qualquer empresa que queira operar de forma segura e estratégica. É nesse ponto que entra a importância da auditoria digital dos arquivos fiscais: ela permite identificar inconsistências, antecipar riscos e garantir que as informações prestadas ao fisco estejam corretas e coerentes com a realidade da empresa.
Além de evitar problemas com a fiscalização, o cumprimento rigoroso das obrigações fiscais passa a trazer benefícios concretos. Isso porque a Receita Federal do Brasil lançou recentemente o programa Receita Sintonia, que estabelece uma nova forma de relacionamento entre o fisco e os contribuintes. A ideia é incentivar boas práticas por meio da concessão de benefícios para aqueles que demonstram um alto grau de conformidade.
O Sintonia propõe uma mudança de paradigma: sai de cena o modelo repressivo, baseado na desconfiança, e entra uma abordagem mais colaborativa, baseada na transparência, confiança e boa-fé. Os contribuintes que estiverem em conformidade com as normas receberão um selo de reconhecimento – o Selo Sintonia – e terão acesso a um conjunto de vantagens, como prioridade na análise de pedidos de restituição e ressarcimento, além de tratamento diferenciado no atendimento da Receita.
Na prática, isso significa que empresas com uma postura proativa e transparente terão mais agilidade na resolução de pendências com o fisco, menor exposição a fiscalizações e um ambiente mais favorável para os negócios. Em contrapartida, aquelas que ignorarem a importância do compliance tendem a enfrentar mais obstáculos e custos no seu dia a dia.
Programas como esse já são realidade em outros países, e alguns estados brasileiros, como São Paulo, Ceará e Alagoas, também já avançaram nessa direção. O Brasil está alinhando sua política fiscal às boas práticas internacionais, e a tendência é que cada vez mais as administrações tributárias classifiquem os contribuintes com base no seu histórico e comportamento, direcionando suas ações com foco onde o risco de inadimplência é maior.
Diante desse novo cenário, é fundamental que os empresários compreendam que a gestão fiscal não pode mais ser vista como uma obrigação burocrática a ser resolvida de última hora. Ela deve ser integrada à estratégia da empresa, com atenção à qualidade dos dados, à organização dos processos internos e à adoção de ferramentas que assegurem conformidade.
A auditoria do SPED, nesse contexto, se torna uma aliada indispensável. Ela é a ponte entre a empresa e essa nova realidade fiscal, permitindo não só o cumprimento das obrigações, mas também a construção de uma imagem sólida e confiável perante o fisco.
Quem se antecipa, se protege. E mais do que isso: quem adota o compliance como parte da sua cultura empresarial, transforma a área fiscal de um centro de custo em um pilar de competitividade e credibilidade no mercado.
Texto por Lucas Calafiori Catharino de Assis – Advogado Tributarista e Conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário do Estado de Santa Catarina (TAT/SC). Já atuou como advogado da FACISC por 8 anos, atualmente é coordenador do núcleo jurídico-contábil da Associação Empresarial de Palhoça (ACIP) e integrante do conselho fiscal da entidade.
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